Sobre carinhos e verdades que me conta o coração

05/01/2015 § Deixe um comentário

Sei que sou imperfeita em muitos pontos, mesmo nos que não sei que sou. Sei que as verdades que ouço em mim são apenas pedaços da verdade que só podemos conhecer juntos, que é menor que a totalidade da verdade, que não podemos conhecer. Sei que todos os modelos que possam ser criados e abraçados serão tão imperfeitos como são todos os modelos e que nada, nenhum acordo ou entendimento prévio pode possuir mais verdade que as verdades do momento presente (que antes de serem verdades por aí são as verdades do corpo).

Sei que cada ser é responsável por suas ações e que eu, como tantos (provavelmente todos os) outros, posso sofrer quando não reconheço ou não assumo essa responsabilidade. Sei também que sofro quando sofre meu semelhante, mesmo que eu não perceba, e que, mesmo desejando que todos cuidem de si, por escolha, posso me sentir generosa e nutrida quando assumo responsabilidades que não seriam minhas se eu não as assumisse e escolho cuidar do bem estar de outrem, mesmo acreditando que sejamos todos capazes de cuidar de nós mesmos. Reconheço que só acredito que possamos cuidar de nós mesmos até certo ponto, o ponto em que ainda assim escolhemos cuidar uns dos outros, porque reconhecemos, mesmo sem saber, que na verdade mesmo sendo capazes, muitas vezes não somos e que não cabe a mim nem a ninguém, exceto a própria pessoa,  julgar quando essa capacidade pode se manifestar.

Sei que me dói quando alguém se julga existencialmente superior a mim e me trata com desdém, descaso ou deboche, ainda que eu não veja essas ações, porque reverberam naquelas que eu vejo. Sei que posso sofrer quando alguém se julga existencialmente inferior a mim e permite que eu expresse deboche, descaso ou desdém nas minhas ações. Sei que sofro quando me julgo superior a qualquer pessoa e dessa forma meus julgamentos sobre suas ações intoxicam meu ser. Sei que sou menos feliz quando me recuso a abandonar meu próprio entendimento para sentir-pensar como meu semelhante e não permito que nossa relação seja harmoniosa. Sei que sofro também quando acredito que o pensar-sentir de qualquer pessoa  tenha mais valor que o meu próprio, assim como quando alguém quer cuidar apenas do próprio bem-estar, sem levar em consideração o meu e o de todos os demais.

Sei que me faz mal quando em qualquer relação ou situação me sinto sem possibilidade de escolha, ainda que a única escolha aparentemente possível possa ser prazeirosa. Sei que minha felicidade diminui quando quero que algo seja tão perfeito que me perco em excessos de dúvidas, ponderações e preocupações que só adiam minhas realizações, que certamente serão imperfeitas, dependendo de como forem olhadas.

Sei que mesmo imperfeita, incompleta, impermanente e muitas vezes até insatisfeita com a realidade, me sinto segura diante do mundo e da vida, ainda que reconheça alguns medos em mim, que não cultivo nem me repreendo por eles.

Sei que preciso do afeto, do cuidado, do carinho, da generosidade e da receptividade daqueles que me são queridos e vice-versa e que essa (inter-)dependência, que não me faz sentir carente, é uma das coisas mais bonitas que têm os seres humanos.

Desabafo do pedacinho

11/19/2013 § Deixe um comentário

Tem esse pedacinho de mim que é um filhote de pintarroxo na chuva e que quando chora se alaga em tempestade e aí precisa ser resgatado de guincho e ser pego no colo. Que quer, mais que tudo, ser pego no colo. Mas que meio que não quer, que tem medo e que se arrepia de chutar quando não consegue dormir. Porque tem medo de cair. Esse pedacinho de todos nós que chora de cansaço. De incerteza. De frio. De ventania, de escuridão. Esse pedacinho meu e seu e nosso que quer carinho mas faz careta. Que quer amor mas faz punheta.

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Hoje eu peguei esse pedacinho no colo e abracei bem quentinho no escuro dos olhos fechados e da respiração morninha com cheirinho de mim mesma e fiz carinho gostoso de ponta de dedo na ternura da mão lisinha até passar.

Não passou. Mas deu pra voltar a respirar.

Daqui a pouco levanto e o pedacinho, como sempre, vai comigo. Às vezes ele vai quietinho no bolso, às vezes vai de sussurrante a tagarela empuleirado no ombro, às vezes sai esperneando bem no meio da testa.

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Um dia me disseram que dá pra ensinar ao pedacinho a ficar quietinho durante o dia , enquanto a gente faz as coisas por aí se ele receber atenção suficiente de manhã e de noite, que são as horas de bule de chá, cama quentinha e o que mais nossos pedacinhos precisarem.

Eu aqui no fundo to precisando melhorar minha performance enquanto administradora dos meus pedacinhos…

poeminha da aceitação sem vergonha (o poema e a aceitação)

09/28/2013 § Deixe um comentário

eu vejo o quanto a vida é complexa

e sei que é muito simples essa complexidade

às vezes me vejo perplexa

no infinito imenso das possibilidades

 

às vezes me vejo obtusa

às vezes me tranco entre traças

mas hoje agradeço essa intrusa

que me ajuda a limpar as vidraças

 

vem serpentina, parafina, a aditina que for

dessa vez nao vou nem ler a bula

porque se é deus que me oferece teu néctar

eu confio que se é deus é amor

do escritorio ao closet

09/09/2013 § Deixe um comentário

as  miudezas de uma vida toda escrutinamente separadas e reunidas em caixas, caixinhas, caixotes, gavetas, prateleiras e muitas sacolas pra desaguar

as paredes agora úteis e decoradas de ícones que por si só remetem a muitas biografias

os registros e os processos

os arquivos

as curadorias

me sento e fico só assistindo esses lugares em que o mundo todo sou eu

 

seria muito cômico se não fosse um pouco trágico e muito trágico se não fosse um pouco cômico

09/02/2013 § Deixe um comentário

Veio enquanto secava com a camiseta o corpo recém saído da piscina, em seguida vestindo a jaqueta direto sobre a pele, sem sutiã mesmo, pra entregar de vez, rindo de si que esquecera a toalha e lá no fundo agradecendo a todo ou qualquer santo por já estar rindo e não mais apenas chorando das próprias tragédias.

Não, não quero seguir assim literária como se fosse sobre outra pessoa. Confesso que é de mim que venho falar, de novo como quase sempre. e quando olho esse confesso eu mesma me confronto com um belo e que mal tem nisso?

talvez o mal seja

Não

chega de pensar no mal

chega de pensar em mim

chega?

será que eu sei quando chega?

ah não, hoje não posso seguir assim abstrata como se eu tivesse alguma coisa muito profunda pra trazer à tona. a frase que queria sair desde lá da piscina (mentira, só coloco assim porque fica mais gostoso, na verdade me veio já pertinho de agora) é que eu não tinha noção do tamanho da TROLHA que é ser um ser humano que honre os significados mais bonitos da palavra humanidade. e não me atrevo a tentar descrever o que isso significa, queria só esclarecer que estou tomando vários caixotes da vida e de mim mesma nesse processo de querer virar gente grande e estar no mundo como uma “adulta íntegra” — o que obviamente inclui muita criancice, no melhor sentido do termo.

sabe neném que chora quando tá cansado?
eu vir aqui escrever isso agora é um pouco isso

daqui a pouco faz 1 ano que desabei de volta no Rio. caraca, como eu fui longe… e eu não fazia ideia do que eu estava fazendo. ninguém fazia. de lá pra cá muita coisa mudou, é verdade. já apaixonei e desapaixonei algumas vezes, não só por rapazes bonitos, mas também por ideias (e isso de novo é um pouco de licença poética — e que raio de poetisa é essa que não consegue vestir as próprias mentiras azuis e fica se esclarecendo o tempo todo? — chega, chega de discutir comigo). já achei que seria feliz voltando a dancar as semanas ao ritmo de living la vida loca, já tive raiva de quem me “deixou” partir, já chutei e soquei muita almofada, já quebrei louças, esmurrei e taquei coisas na parede (graças a deus não cedi à vontade de tacar coisas em nenhum dos terapeutas que pacientemente tentaram me ajudar), já cheguei em lugares sombrios que eu realmente não esperava visitar…

ufa, me dá até alívio lembrar como era há poucos meses atrás. realmente, está muito mais leve agora. e também muito mais sério.

mas eu já disse que agora eu não quero ser profunda, por mais complexo que esteja sendo decifrar o ritmo que me permita fluir com prazer e doçura entre as compras, o fogão, a máquina de lavar, a almofada de meditação, o photoshop, a farmácia, os amigos queridos e quem sabe até os braços de uma criatura de sorte que queira visitar comigo o paraíso. talvez fosse muito divertido na verdade registrar em som-palavra-forma-e-gesto mais das quimeras que encontro nos labirintos de cada dia, mas cadê que eu encontro espaço interno pra ouvir a musa? que bom que agora eu encontrei. e nesse agora que já se estendeu mais do que meus olhos ardendo de sono ou de cloro estão dispostos a tolerar e que há algum tempo eu dizia que não queria ser profunda, já que agora estava só esperando a batata doce cozinhar pra então jantar gostoso e depois derreter na rede com o kundera ou um caderno de rabiscos. só que agora eu já jantei.

pra fechar com leveza então acho que cai bem uma lista de passos dados.

– descobri que feirante é o melhor amigo da dona de casa e que a pele da batata doce sai quase sozinha depois de cozida

– manifestei uma flor de lotus até que bem jeitosa na parede da sala

– reformei a bicicleta e tomei coragem pra transcender a ciclovia e circular pelo bairro

– emoldurei as telas que salvaram a minha vida naquele mês agonizante de casa da sogra

– acionei o porteiro faz tudo pra consertar a torneira do chuveiro e instalar a rede em que entrei na meditação mais profunda da vida, da qual saí quando senti que chegava um movimento, esperei pra ver o que era e aí tocou a campainha

– comecei a tirar a casa de saquarema do fundo do mar

– aprendi a fazer doces surreais sem açúcar nem leite nem glútem nem forno nem receita

– me acostumei a usar fio dental

– fiz um site FODA com uma mulher incrível que agora me chama de parceira

– descobri que a gigantesca maioria dos trilhões de pessoas lá fora ou estão completamente dopadas pela matrix ou estão lidando/já lidaram com as mesmas questões que eu, mesmo as mais obscuras, ou até as duas coisas, inclusive várias das pessoas que eu admiro

– comecei a avisar quando é melhor me deixar sozinha e a sentar pra respirar quando eu vejo que se eu acelerar mais eu pifo

– entendi, no fundo de mim, que por mais carinho, empatia, cuidado e amor infinito alguém possa ter por mim, ninguém, NINGUÉM  pode saber como é dentro de mim quando caio nos buracos (apesar de que nesse quesito temos muito a caminhar, tanto nas falas quanto na escuta) nem muito menos qual é a corda cintilante exata que vai me tirar deles.

pois é. Alice acordou e se deu conta de que se tratando de escolhas cabe a cada um compor a própria vida. e nem todo mundo é um mozart que começou a compor aos cinco anos de idade. e que, vale lembrar, mozart também sofreu pra caralho.

mundo em mim

08/11/2013 § 4 Comentários

Espanto. Precioso espanto ao descobrir-me aprendendo a perceber o quanto e quando a vida sabe se intensa, suculenta e bela. De repente me pego a me reconhecer em rostos aos quais um dia neguei meu sorriso, em corpos pelos quais tive repulsa, em olhares dos quais desviei, em bocas das quais tive medo. De repente aquelas pessoas não eram, não são mais aquelas pessoas. De repente não existem mais aqueles eles, fora de mim. De repente me pego a me reconhecer e me celebrar em cada olhar, cada gesto, cada fala, cada abraço.

Vejo o monstro que me visita mas já não há mais lugar para ele em minha sala. Ele entra garboso, de peito estufado e sorriem arreganhados seus dentes, mas logo ele tem frustradas suas malícias e, não encontrando sequer um degrau onde possa tentar se fazer confortável, deixa a cena de olhar cínico, tentando esconder o embaraço em seu andar ainda afetado. Ele tenta, mas não convence ninguém de que seja merecida sua falsa realeza.

Ela disse que a gente se trava travando.

Hoje o monstro tentou me visitar, trazendo consigo a bandeira do arrependimento, os rótulos de estupidez e auto-dúvida, pintando quadros de que poderia ter sido melhor, mais rápido. Ainda agora ele dá pulinhos ao redor da casa e acena pela janela que a semana pode não dar certo, que as tarefas não estão sendo cumpridas, que as atividades ainda não estão alinhadas. Ele é patético e eu o ignoro.

Reconheço um cheiro de incerteza ainda. Talvez ele tenha conseguido deixar algo de seu feitiço quando cruzou a sala. Não importa. Muito mais importante é que eu perceba o fedor de seu enxofre e não me deixe guiar por este veneno.

Faro. É o que toda pessoa de bem precisa desenvolver para se orientar neste mundo de valores bolorentos. Aquilo que tentam vender como elixir denuncia logo a própria toxidade. Faro e espera. Ritmo. Timing. Saber pulsar a própria potência, dancar no e com o mundo, saber a hora de abrir e de fechar, de chover e de florir.

Começa a emergir algo, mas não preciso de pressa. Sei que cultivo tesouros generosos no jardim de inverno. E confio cada vez mais que saberei reconhecer quando chegar o tempo de toda e cada coisa. Quando chegar o meu tempo. Quando o meu chegar. E já se escutam os sinais.

Quero compartir tudo isso contigo, tu que me ajudas a ver, a discernir, a dissecar. E quero celebrar com ela numa dança de mil anos. Então minha face enrubescida se mostrará lívida. Transparentes, meus olhos deixaräo cantar toda a poesia da alma. E o mundo todo virá dançar comigo, porque eu sou o mundo e todo ele dança em mim.

o amar do artista

07/18/2013 § 2 Comentários

a gente ama amar.

só isso.

realmente. só isso.

o universo in a nutshell: a gente ama amar. a g-e-n-t-e-a-m-a-a-m-a-r.

o universo é nosso eterno e generoso bem-querente. e a hora é de entregar.

deus está dando um pontapé na sua bunda, declara o mestre. hora de ter fé nas mãos fortes lá embaixo e pular mesmo. 1 2 3 e já.

o mestre diz que não tem mais o meu problema. o problema não é, nunca foi meu. o mestre diz que o meu problema é dele, que não é pra fazer nada, é pra ser e ser e entregar tudo que vem. 

o dia inteiro contemplar. e amar.

disso se nutre o artista. de amar. de gerar mais prazer e alegria de viver, de tocar o coração dos outros e lhes proporcionar vida, fluxo, caldo, suco. o artista nutre e quer ver crescer aquilo que o alimenta: o bem-estar, a preguiçinha boa, o deleite, o morninho, o gostoso. e que gostoso…

não interessa quem, quando, como, onde e quantos. o artista respira sua adrenalina, seu desfrute é seu delírio. o artista se reúne com outros artistas e consigo pra amar, só pra amar, pra se dissolver em nirvana com o peso todo entregue na mão do outro, dos pés leves voando e a respiração nos pelinhos do rosto.

o artista só faz isso. só vive assim. ama fazer um monte de coisa que não dá dinheiro. que näo dá nem fotografia. o artista ama ser, e só é amando.

 

um coração por vez

07/11/2013 § 1 comentário

Num momento – sagrado – em que o coração só sabe emanar-sentir-ser Amor e cantar as glórias do Divino, transcrevo aqui parte do que confidenciei ao companheiro de páginas sedosas ao qual tenho sido fiel noite a noite, ainda escolhendo sempre a mesma cor da esferográfica quadri-cromática. São as ressonâncias do que transbordou em mim no jorro de Verdade íntima revolucionária dos corações e vísceras de que participei esta noite, que de lambuja ainda me brindou uma conversa arte-terapeutica com a irmã espelho até então não identificada.

Somos todos partes (desse Tudo a que chamamos) de Nós. Curando o mundo, um coração por vez. Eu achei que ia fazer relatório de tudo que foi dito, recebido, descoberto, entendido, processado, e antes de me auto-justificar que não dá pra relatar, me interrompo na lembrança de que só existe luz, de que o que se chama sombra não passa da ilusão. Os famosos véus de Maya que se dissipam sob a luz da consciência. Iluminação ao alcance de todos em 8 semanas ou a pessoa amada em 3 dias.

Não sei se tem que ser assim com todo mundo, mas comigo é assim que está sendo. Viver a ilusão, perceber-se insatisfeito-deslocado-entediado nela, então descobrir o desejo de despertar, então buscar, então sofrer na busca, então só sofrer, então sofrer por sofrer por não querer sofrer. Então começar a ver.

Hoje o brilho da espuma do mar e a densidade profunda do azul do céu, a sensualidade provocativa do vento fresco e as lambidas expansivas dos raios de sol, o deleite com a arquitetura curvilínea da cidade e a intensa presença das árvores — cada uma belíssima em sua singularidade –, a beleza infinita de cada homem e mulher e criança e bicho existente em cada rua e praça, falando, caminhando, respirando, rápido ou parado, expressivo ou calado, até mesmo o brilhantismo das minhas próprias (e próprio-)percepções, me tocaram todos tanto, tal qual eu (es)tivesse (sob) o tempero da planta mágica preferida. Só que com o poder infinito de não precisar dela. De dizer posso, mas não quero. De gritar EU TE AMO, pra todos e pra ninguém, pela beleza de dizer sentindo e de poder sentir sem saber pra-por quem, pedalando túnel a dentro às 8 da manhã a caminho da fusão com o oceano magnífico. De se(me) reconhecer optando por inverter a direção,  no eixo fora-dentro, dos passos da busca. De celebrar a liberdade descoberta-clamada-conquistada pela inversão da crença da felicidade como conseqüência de algo (previamente desejado até que) obtido para a vivência da felicidade auto-generosa que manifesta tudo aquilo que (se) quer ser, não por esforço, apenas por Natureza honesta e sincera.

os sacos de areia e a guerra dentro

06/27/2013 § Deixe um comentário

ontem assisti peace, love and misunderstanding

não vou me propor a resenhar o filme nem nada do tipo. não é o foco e estou com preguiça de me dar trabalho.

quero só partilhar/registrar que me tocou este filme (e o que me tocou nele).

por mais fanfarronice que aconteça no roteiro, que conta com alguns personagens bem caricatos – a hippie na terceira idade principalmente – o cerne do filme é um tema que está super mega ultra em pauta na minha vida.

não vou dar muitas voltas, trata-se das guerras internas que muitos de nós arrastamos vida afora como sacos de areia pesadíssimos e desnecessários, que não fazem nada de bom por nós, pelo contrário, nos pesam os ombros, a testa, os passos, as pontas dos lábios que algum dia nos surpreendem pesados demais pra sorrir. Guerras travadas com o mundo, com o(s) outro(s) que são na verdade guerras contra nós mesmos.

A estrutura em que a trama explora isso quase chega a ser simples demais. Uma protagonista certinha que há 20 anos não tem contato com a mãe por ressentimentos ancestrais que se desdobraram em julgamentos sobre seu estilo de vida pra tentar justificar o rompimento. Essa guerra se perpetua em muitas de suas relações. O filme chega a ser bem explícito sobre isso, numa cena em que um alguém a pede para abrir mão da briga e ela não consegue nem participar dessa conversa sem reagir, rebater, se defender. Sua própria filha adolescente vai pelo mesmo caminho, adotando uma postura de luta contra aquilo que ela “acha errado” no mundo que na verdade só dificulta que ela viva justamente os valores que defende (compaixão, amor, apreciação etc). Achei tudo isso tãao familiar….

Pois bem. Eu vim aqui falar disso pra registrar que esta semana, a primeira em muitos meses em que acordo a cada dia sem vontade de esmagar o despertador ou de… 

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melhor nem falar algumas das coisas que eu já tive vontade.

Fato é que foi gostoso ver esse filme ontem e sentir as lágrimas emergirem nos olhos por saber que estou fazendo o movimento um movimento similar ao dessas mulheres, de soltar os sacos de areia que impedem meus balões de flutuarem leves pelos céus azuis.

Os dias estão tão lindos! 

 

gratidão.

a perda da inocência II: as pessoas

06/16/2013 § 2 Comentários

tentei voltar no texto de ontem pra incluir uma amarração da qual me dei conta hoje mas não consegui, achei melhor nem tentar. vamos de texto novo que agora me dá mais caldo.

hoje assisti falar um homem lindo que ouvi muitos chamarem de provocador. pra mim quase que não foi. muito pouco do que fui interpretando de seu discurso me cutucou, pelo menos muito pouco que já não tivesse sido cutucado antes (sem querer me gabar, reconheci em alguns momentos da fala as críticas que eu mesma fazia ao mundo lá pelos doze anos de idade). ou seja que não houve muita novidade no conteúdo exposto. mas uma coisa foi me incomodando profunda e repetidamente: a cada vez que ele dizia que “as pessoas” qualquer coisa me dava um calafrio e a ferinha dentro de mim logo mostrava os dentes (pois é, descobri que me habita essa criatura em forma de oncinha, ou melhor, de um menino de 6 anos de cabelos desgrenhados, fantasiado de tigre. ou qualquer coisa parecida com isso).

o que rosnava a oncinha era que era “um absurdo ele dizer que as pessoas fazem isso e aquilo, pensam, sentem isso e aquilo, como se ele não fosse uma dessas pessoas, como se nós não fôssemos essas pessoas, como se essas pessoas estivessem fora da sala. abri aspas e não consegui fechar, era pra representar a vociferação da ferinha e continuou sendo meu texto. fazer o que, a ferinha é só mais uma das minhas vozes… enfim, fato é que minha mente me deixou mal humorada uma boa parcela da aula, resmungando que isso não se faz, falar dos outros assim, como se esses outros existissem.

é que pra mim isso vem ficando tão óbvio… justamente porque estou descobrindo que era exatamente isso que eu fazia o tempo todo e é exatamente isso que me vem fazendo sofrer tanto. não, deixa eu falar isso de outra forma. esse é um dos pontos, um dos ingredientes, que se não for origem das dores, é um de seus principais amplificadores. em suma, é talvez o maior motivo pelo qual uma dorzinha se transforma num monstro voraz e grande pra caralho.

se ainda não estiver claro, esclareço melhor: percebi que a vida toda olhei pro mundo, pras “pessoas” como se fosse diferente delas. como se elas fossem as pessoas normais. hoje até um outro querido usou essa expressão e de novo me deu o mesmo arrepio. não quis me colocar na hora por receio de não conseguir dizer o que pra mim é tão gigante e urgente: que as pessoas normais não existem! as pessoas de quem falamos somos nós mesmos, os indivíduos que os autores analisam são eles mesmos, seus pais, avós, irmãos, primos. por um momento me questiono, mas acho que eu sempre li muita gente achando que estavam falando de outras pessoas, talvez até de todas as pessoas, mas de mim?, não, não de mim, eu era “boa”, eu estava do lado bom, de ombrinho colado com  o autor, sorrindo e concordando com ele. ou o contrário, provavelmente quando lendo aquilo que me agradava, aquilo que me despertava admiração, aí sim, tinha certeza de que estavam falando exatamente de mim.

a hipótese agora é outra, e taí a perda da inocência do título, que me doeu (e dói escolher escrever que doeu em vez de dói, porque parece que fica mais bonito escrito que me dói, mas também é verdade isso que ele disse hoje, que a dor está no passado e que o que doeu ontem ou há cinco minutos não precisa continuar doendo agora.). agora eu acho que todo mundo fala de si o tempo todo, principalmente quando fala das pessoas, especialmente se fala das pessoas normais. inclusive eu.